Friday, December 14, 2012

Amor em Forma Compulsiva

A comoção que as sucessivas declarações de Isabel Jonet tem causado no país é um dos sintomas mais evidentes de um regime que vive de silêncios. A unidade do país baseia-se num estado social que se alimenta da omnipotência da máquina estatal. Esta funda-se, por sua vez, num conjunto de ideias de redistribuição igualitária, que se apresentam como elemento essencial da nossa organização política. Se no Estado Novo quem não era patriota não era digno de se dizer português, no pós 25 do A a visibilidade pública está vedada a quem rejeita a suprema virtude do regime. Rejeitar a Solidariedade Social em favor da Caridade é um argumento que não tem lugar na política portuguesa.
Perceber o que é esta Solidariedade Social é um problema complicado. A consciência moral do regime (leia-se José Pacheco Pereira) reflecte que a Caridade a que Jonet se refere carece de humanismo. Está bem visto. A Caridade Cristã é um reflexo sobre-humano. A Solidariedade Social, por seu turno, é uma posição que encontra a sua fundamentação na percepção dos homens sobre a sua igualdade. A Caridade tem um fim, emular o sentido da Natureza criada. A Solidariedade tem o simples propósito de regular as relações entre os homens com o objectivo de os manter coesos, de manter a unidade política. A questão é perene: a virtude que não pretende obedecer a um sentido cósmico é algo mais que auto-interesse?
A Igualdade do género humano, em que se funda este humanismo, a que todo o ideário moderno aderiu é um axioma a que ninguém poderá aceder sem uma régua para proceder à sua medição. E quando o próprio indivíduo tem a liberdade de escolher, segundo a sua própria narrativa e disposição, qual o compasso que servirá para o efeito, ter-se-á de aceitar, em Democracia, todos os resultados. JPP e o regime não se questionam sobre a forma como um regime que não se funda em nada, pode aceitar a exclusão de certos argumentos. E assim, ficamos todos num ponto de discussão sobre a igualdade, cada um com uma régua em que cada um inseriu, segundo o seu próprio arbítrio, os números e as medidas. O Homem já não é a medida de todas as coisas. Cada homem é a medida de todas as coisas.
Talvez seja demasiada benevolência esperar que seja isto de que Isabel Jonet está a falar. De como qualquer critério de igualdade que não se funda em norma exterior a si próprio, é inválido na definição de um carácter, do valor do mesmo. Tem pelo menos o mérito de ser o grão de areia numa engrenagem que não reflecte sobre si mesma.
Ao contrário do que JPP afirma, fazer a apologia da Caridade não é aderir ao paraíso privatista do liberalismo presente. Se isso é verdade num pano de fundo liberal, em que a Caridade é vista como a solução social para a redistribuição dos bens, numa sociedade organizada em princípios, não o será numa comunidade que não se funde na neutralidade do Estado e adopte, de facto, a soberania do Bem.